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VERDADES E MENTIRAS PREVIDENCIÁRIAS (1): O ESTELIONATO GOVERNAMENTAL

A discussão da hora envolve a suposta quebra da Previdência e a Proposta de Emenda Constitucional que se indica como a salvaguarda do sistema. Nesse afã de atrair a mídia e a opinião pública, o Governo joga no ar falácias que exigem esclarecimentos.

Nem vou ao largo de discutir se há ou não efetivo déficit, porque a constatação dos valores que efetivamente suportam a Previdência acabam, por si, a contradizer os argumentos palacianos.

Inicialmente, cabe observar que o orçamento da Seguridade social, a ser dissociado do orçamento da União, envolve os sistemas de Saúde, de Previdência Social Geral e de Assistência Social. Ou seja, primeiro se constata que o orçamento da União não se pode confundir com o orçamento da Seguridade, nem ainda se pode deixar de distinguir a Previdência Social Geral como mera parcela do orçamento da Seguridade, que envolve, ainda, os recursos federais necessários à Saúde e à Assistência Social (Constituição, artigos 165, § 5º, e 194).

Também cabe notar que a Previdência dos servidores públicos não se insere na regra da Previdência Geral, senão àqueles incluídos mais recentemente no sistema geral de previdência social, tanto assim que cumpre à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios gerirem os orçamentos respectivos e dissociados da Previdência Geral, nesses casos. E nisso há a particular razão de que as aposentadorias devidas aos servidores públicos, ao menos os do regime anterior, são pagas não pela Previdência Geral, mas pelos próprios órgãos de que jubilados, em decorrência das rubricas de pessoal particularizadas para ativos e para inativos. Também aqui emerge algo crucial, que a mídia indevidamente valoriza, pertinente à questão dos benefícios mais altos devidos, sem atentar-se para o fato de que a Previdência Geral tem benefícios limitados ao mesmo modo que as contribuições encontram um teto, enquanto os servidores públicos contribuem na integralidade dos seus rendimentos e, por isso, o sistema de benefícios pressupõe o retorno da integralidade para os que se aposentam com todos os requisitos preenchidos.

Ou seja, quando se colocam na mesma cesta frutos diferentes, a salada geral criada é outra da visão de mero e único produto. Não se há como misturar produtos que são, na essência, diferentes.

O ideal seria que todos recebessem na integralidade, mas assim também todos haveriam que contribuir igualmente com base na integralidade de seus rendimentos e não com tetos a limitarem contribuições e, por consequência, também benefícios.

Outro problema que se identifica é que a própria Constituição, no artigo 201, denota que a Previdência Geral se financia por contribuições de caráter geral e dos obrigatoriamente filiados ao sistema, indicada, contudo, a necessidade do sistema observar "critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial", o que significa estipular modalidade de cálculos para as contribuições que busquem atentar para as hipóteses estatísticas imaginadas para os benefícios a serem satisfeitos ao longo de certo período, como ocorre com os seguros em geral, que denotam maior valor à contribuição conforme seja maior o risco de haver prêmio a ser pago, porque a Seguridade resulta, exatamente, num grande seguro social sustentado pelo Governo Federal.

Mas então, já sem poder afirmar-se que há déficit previdenciário (já que o orçamento da Previdência dos servidores públicos federais não se confunde com os orçamentos da Previdência dos servidores públicos locais e não envolve parte do orçamento da Previdência Geral, mas dos orçamentos de pessoal dos respectivos órgãos públicos aos quais vinculados os servidores inativos), nem ainda se poder descrever déficit na mera indicação do orçamento da Seguridade sem dissociar as despesas de Saúde e de Assistência Social em relação às de Previdência Geral, nem perceber-se, ainda, a contrapartida necessária da União na implementação de valores capazes de manter o equilíbrio atuarial por via de fundo previdenciário permanente, o que se percebe de tudo é que pouco há de verdade nas propagandas governamentais ao instante em que as premissas são alteradas e misturados regimes diversos como se algo igual.

E mais: se o Governo entende que o sistema atuarial não envolve a formação de fundo previdenciário permanente, mas a gestão anual mediante orçamento previdenciário em particular, os déficits previstos, com a devida vênia, resolver-se-íam pelo recálculo orçamentário mediante maior contrapartida contributiva para pagamento dos benefícios programados para o ano, no que a reforma da Previdência Social Geral, antes de tudo, deveria passar por aumentos de alíquotas e não por alteração das regras do jogo para quem, às vésperas de aposentar-se, tem a notícia de que tudo o que contribuiu nada serviu e que mais tempo deve ser somado para a esperada jubilação. Igualmente assim para a Previdência dos servidores, que se inicia pela percepção de serem tantas quantas as unidades da Federação, porque a União nada mais beneficia que a Previdência devida a seus próprios servidores públicos.

No fim de tudo, o estelionato governamental se consuma.

Às vésperas do tempo previsto para a jubilação, e sem mais tempo para nada, trabalhadores e servidores públicos são surpreendidos com a notícia de que terão que trabalhar mais, contribuir mais e não necessariamente ter o benefício esperado, quando, efetivo déficit houvesse, antes de tudo caberia imaginar o valor a ser implementado nos orçamentos da Seguridade e nas rubricas de pessoal dos orçamentos dos órgãos estatais para a contrapartida, por aumento das contribuições, suficiente a resguardar o que a Constituição ainda garante para trabalhadores e servidores públicos após a idade e o tempo de contribuição previstos.

Não tenho dúvidas de que todos prefeririam um aumento nos valores das contribuições para não perder os direitos esperados dos benefícios, sobretudo as aposentadorias para quem já não pode, por conta própria, às vésperas das datas de jubilação, iniciar uma poupança particular ou em fundo previdenciário privado para suprir o que lhe fora prometido e agora pode ser suprimido pela proposta do Governo.

A conclusão é que o estelionato está próximo de ser chancelado e nós, as vítimas, como num assalto, parecemos estar com as vozes embargadas pelo susto.

Precisamos acordar. Rápido.

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DESEMBARGADOR DO TRABALHO E PROFESSOR DE DIREITO

ALEXANDRE NERY DE OLIVEIRA

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